14 junho 2009

Lendas e o sobrenatural atraem a castelo Polonês

 Arnild Van de Velde/Reprodução

766257-4152-cp2 Castelo Ksiaz. Alto da torre: a entrada do castelo, a partir do que no passado foram aposentos dos criados

Arnild Van de Velde
De Walbrzych, Polônia

Depois da meia-noite, dizem, o espírito de Daisy von Hochberg-Pless é presença sentida naquele que foi seu recinto favorito, ao tempo em que viveu em Ksiaz (1892-1922) - uma propriedade de 400 cômodos, que a inglesa tornada princesa por meio do casamento dizia odiar pela falta de banheiros. Dizem ainda que ela, um "fantasma do bem", usa um vestido branco e gosta de tocar piano ali na sala, uma das mais simples do castelo erguido sobre a rocha (395 metros acima do nível do mar) cuja história remete ao século 10 e a uma lenda digna da saga arturiana.

Em Ksiaz (diz-se: "shâns"), contudo, não é a aparição de Daisy, o que causa assombro. Muitos metros abaixo dos aposentos dela, falecida em 1943, a luz que invade por janelas tão altas quanto aquelas do Palácio de Versalhes dá lugar às trevas de um esconderijo projetado para abrigar Adolf Hitler e entourage, como afirmam estudiosos e pesquisadores.

Investimento milionário (uns 80 milhões de euros, em termos atuais), o sinuoso bunker (abrigo, em alemão) representa o corte mais intrigante de um projeto arquitetônico envolvendo milhares de metros cúbicos em túneis de concreto reforçado, que serpenteiam os subterrâneos da Baixa Silésia desde quando ali ainda era a Alemanha. Um legado da macabra engenhosidade nazista, ao custo de milhares de vidas - muitas delas encerradas sob os escombros das implosões ordenadas pelo "Führer", antes que o complexo caísse nas mãos dos inimigos russos.

A princípio desenhadas para abrigar fábricas de armamentos e laboratórios - especula-se, por exemplo, que ali teriam sido testadas armas secretas como o disco voador leve VRIL e os foguetes V1 e V2 - as instalações de Ksiaz acabariam redefinidas para o acolhimento do alto comando da SS na estratégica região, hoje Polônia ocidental, quando o cerco dos aliados começou a apertar.

Vandalismo
O plano original, que previa a transferência dos aspectos materiais do Reich para uma região de difícil acesso - inclua-se aí milhares de livros, arquivos entre outros tesouros roubados na própria Polônia, Ucrânia, Bielarússia, Áustria, nos Bálcãs e Países Bálticos - foi em parte cumprido; o posterior, que visava garantir a segurança de Hitler e seus principais comandados, foi detido pelo avanço soviético, cujo comando acabou de completar a destruição iniciada pelos alemães. Para a construção do bunker, paredes, câmaras históricas e parte da decoração do Ksiaz foram sacrificadas com evidente desprezo.

O confisco da propriedade, em 1941, encerrou mais de 400 anos de história dos nobres Hochberg-Pless, cuja obra trouxe prosperidade ao lugar, sobretudo o acréscimo da ala barroca e dos belos terraços. Ksiaz fica 61 Km a sudoeste de Wroclaw, a capital regional, onde já funcionava o quartel regional da Gestapo. A própria geografia de Walbrzych, cidade em cujo encrave está o castelo, mostrou-se ideal ao objetivo nazista, tendo ali funcionado uma repartição de segurança dedicada à pesquisa ideológica, cujo acervo literário chegava a dois milhões de livros reunidos a partir de meados dos anos 1930.

Três mil escravos, entre prisioneiros de Gross-Rosen, o campo de concentração que funcionou a oito quilômetros dali, e capturados de guerra confinados no campo de trabalhos forçados "O gigante" (Der Riese) - como seria rebatizado o complexo inteiro, que se estende por 200 quilômetros qudrados - foram obrigados a abrir passagens secretas e galerias no interior da espetacular montanha. Não bastasse o destino reinventado pela insanidade nazista, aqueles homens ainda trabalhariam sem grandes recursos materiais, mal-alimentados e sedentos. Há relatos de que, no terceiro dia, muitos teriam morrido de fome e sede, e de que seus corpos teriam apodrecido diante dos olhos dos sobreviventes.

Em suas memórias, Nicolaus von Below, um oficial da SS, afirmou que "tentara inspirar" o comandante das obras, Albert Speer, a fazer com que Hitler desistisse do projeto. Speer, ainda de acordo com von Below, teria dito que "seria impossível". Os trabalhos continuaram em meio à destruição da Alemanha, "quando toda tonelada de concreto e de ferro era tão urgentemente necessária em outros lugares". Um desperdício duplo, uma vez que, para evitar que o complexo favorecesse os russos, Hitler mandou estourar as passagens mais importantes, deixando atrás delas milhares de vidas que mais de uma vez conseguiu destruir.

Em busca do tesouro perdido
Décadas de pesquisas ainda não trouxeram conclusões expressivas sobre o mistério silesiano. Ainda hoje, 60 anos depois, perduram em toda a região as lendas sobre tesouros escondidos nas florestas - inclusive as jóias da princesa Daisy. Relatos sobre terrenos minados e outros perigos atiçam a fantasia de aventureiros, e dos que acreditam em teorias conspiratórias.

Quem tenta ir mais adiante, dizem, encontra sempre um obstáculo, um motivo para desistir. Peter Lewandowski, um pesquisador independente que estudou Direito e Administração na Universidade de Varsóvia, diverte-se com o que chamou de especulações: "Lendas urbanas não precisam necessariamente ser falsas, mas não deixam de fora aquela dose de exagero", disse em resposta a Terra Magazine.

Em torno de uma galeria ampla, destinada a cozinha a serviço de um Hitler vegetariano, parte o labirinto de corredores, passagens secretas, orifícios para o transporte de gás e de água em direção a profundezas que chegam a 60 metros, contados a partir do pátio de acesso ao castelo. "Se o rei Bolko I pudesse imaginar o que os nazistas fariam com este lugar, jamais o teria construído", diz Magdalena Szpara, a jovem guia local.

No primeiro andar, bem perto da sala de Daisy, um armário de madeira esconde o vão que abrigaria o elevador de acesso ao esconderijo - defronte ao quarto que seria do ditador. Lá embaixo, a circulação é limitada: a partir de um certo ponto, apenas os investigadores autorizados pelo governo podem prosseguir, embora bloqueios e acessos interrompidos possam ser vistos em todas as direções. O que haveria por detrás daquele amontoado de pedras e escuridão? Ninguém se arrisca realmente a um palpite. Talvez os destroços de um trem que levava ouro. O carregamento partiu de Wroclaw, em 1945, e foi visto pela última vez 61Km depois - à exata distância entre a cidade e o castelo.

Daisy von Hochberg-Pless possuía um colar de pérolas de seis metros, com o qual teria sido enterrada num ponto da floresta do Ksiaz, apesar de ter morrido em extrema pobreza. Ao tomarem a região, os russos - dizem - teriam encontrado o túmulo dela, de onde retiraram seu corpo e roubaram a jóia que von Pless fazia questão de usar quando fotografada. Teriam levado as perólas e deixado o corpo abandonado no meio da mata, para tormenta da alma, como acontece num caso desses, segundo os que acreditam na vida após a morte. Em meio a tanta história, lendas e superstições, não será ridículo imaginar que Daisy, em suas visitas noturnas ao castelo, seja apenas mais um espírito empenhado em achar um tesouro perdido, talvez aquele que, para ela, seja a maior recordação de sua vida.

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