“Acabou”. Era assim, curto, seco, objetivo, direto, o título do e-mail que recebi de uma amiga muito querida no começo da semana. “Acabou”. Simples assim. Mesmo antes de abrir o mail já sabia do que se tratava. Resolvi esperar mais um pouco, sair da sala e dar uma volta pelo escritório. Preferi adiar um pouco a leitura, porque já sabia o que significava. Lembrei imediatamente da crônica do Paulo Mendes Campos. “Acabou”, em toda sua simplicidade, dizia o mesmo que o texto brilhante do cronista. Em três sílabas, toda uma carga de drama, tristeza, decepção, sentimento de fracasso e solidão. O amor acaba. E, com ele, acabam sonhos. Acabam parcerias, acabam gestos, acabam olhares, acabam sabores. Acabam fins de semana felizes e noites de rock’n’roll. Quando o amor acaba, rompe-se um frágil fio invisível que faz, do eu e do você, um “nós dois”. E cada um volta a ser uma peça solta nesse enorme e disforme quebra-cabeças que é a vida. Em busca de um novo encaixe. Em busca do ajuste perfeito, sem rebarbas nem arestas. Quando o amor acaba, morremos um pouco. De certa maneira, morremos mesmo. Porque deixamos de ser quem nos acostumamos a ser e voltamos a ser o que éramos de verdade. Quando o amor acaba, o relógio muda. O dia começa mais cedo ou mais tarde, nunca na mesma hora. A noite fica mais longa ou mais curta, mas nunca a lua brilha durante o mesmo tempo de antes. Quando o amor acaba, muda a cor do sorriso. Quando o amor acaba muda a cor dos olhos. Quando o amor acaba, baixa o tom da nossa voz. ”Acabou”. E assim, pensando no que acaba junto com o amor, abri o e-mail. E, lendo o que ela me contava, pensei que o amor deles, daquele casalzinho perfeito que sorria para mim na foto guardada em um e-mail anterior, na verdade acabou muito antes do que eles pensam. O amor acaba bem antes que a gente se dê conta. O amor acaba numa valsa recusada, o amor acaba e vai embora pendurado no biquíni cor-de-rosa da menina que passa, o amor acaba no silêncio maior que o regulamentar após a pergunta doce, o amor acaba no celular que treme na hora errada, o amor acaba na cama não desarrumada do sábado de madrugada, o amor acaba no cabelo penteadinho, não desalinhado pelos dedos do ser amado. E, quando a gente diz “acabou”, na verdade é como se a gente tivesse, apenas, ido ao IML reconhecer o corpo do amor morto uma semana, um mês, um ano atrás. A gente diz “acabou” quando já sabia que vivo ele não estava, mas na vã esperança do ressuscitar preferiu sorrir uns dias a mais sem nenhuma vontade, decidiu andar de mãos dadas, mas vestidas com as luvas da esperança, decidiu rodopiar pelo salão quando o que rodopiava era o pensamento.”Acabou” é, apenas, o sinal que o cérebro envia ao coração dizendo que ele está batendo no compasso errado e atravessando o samba da alegria que é amar em harmonia. Minha amiga, muito querida, se diz triste. O amor que acaba é mesmo triste. Mas sejamos, sempre, otimistas, minha querida. Acreditemos que o que acaba é “um” amor. “O” amor não acaba. Transmuta. Perde a casca velha e seca e se pinta de vermelho. Se fecha no casulo do peito e, lá na frente, se faz borboleta. E, em um dia qualquer de janeiro, fevereiro ou dezembro, ou março ou abril, em um dia chuvoso ou quente, frio ou colorido, sob o arranha-céu ou o arco-íris, essa borboleta vai fazer ventar no seu estômago, fazer cócegas na língua e derreter o gelo ao sul do seu Equador particular. E nesse dia, amiga querida, você vai me mandar um outro e-mail e o título, escrito em letras coloridas de verde e rosa, ou em vermelho verde e branco, vai ser tão curto quanto o que você me mandou outro dia. Mas vai dizer assim: “começou”.
Fonte : André Gonçalves
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